NUM PODE ISTRAGÁ O TREM
"Ocê istragô tudo o trem!" - Mas o trem já tava istragado, eu só quis cunsertá. É trem pra lá e trem pra cá. É fácil falar trem, só tem uma sílaba e serve pra tudo, economiza palavras e não precisa ficar pensando o que falar. Às vezes eu fico campeano as palavras pra tapar um buraco no meio de um verso e ainda tem que ser uma palavra que dá rima. Sem rima, a poesia fica sem beleza, não chama tanto a atenção do leitor, ou do ouvinte. Essa coisa de istragá o trem eu ouço desde criança, mineiro gosta de cunsertá as coisa, emendá, dimunuí e aumentá. Na roça se faz de tudo e às vez tem que sê arquiteto, custurero, cuzinhero, lavradô, arfaiate e dotô. Tem que curá animá e até operá, colocá veneno nas frieira, tem que castrá e às vez tem que dá ponto. Não pode istragá o trem purque dispois não tem mais cunserto. Minero é gente instruida, aprendeu na facurdade da roça veno a natureza e acompanhano o caminho do sol. Nem pricisa de relógio, cunhece até a velocidade do vento e sabe quando istá pra vim chuva. É uma ciência naturá que o tempo insina e o lavradô aprende. Por isso é tão famosa a sabedoria do roceiro, especialmente do mineiro. Só não pode istragá o trem purque senão dispois num tem cuncerto.
(26-10-2020) Cícero Alvernaz (autor)
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