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Mostrando postagens de outubro 18, 2020
  SOU MINEIRO Sou mineiro, mas isso todo mundo já sabe. Alguns até já estão cansados de saber. Mas não custa repetir só pra repetir, como se nunca tivesse falado, mas eu falei muitas vezes e não me canso de falar. Sou mineiro, fui criado numa grota, numa choça no meio da roça onde tinha uns pés de café, bananeiras e um caminho estreito que passava perto. Aquele caminho era por onde eu ia e voltava, subia, descia e depois chegava. Sou mineiro, mas isto eu já falei e todo mundo já sabe. Sou assim mesmo, num repara não! Esse é o meu jeito de me apresentar e me manifestar no meio do povo. Cada um tem o seu jeito e eu tenho este, só tenho este. Sou assim mesmo. Minas me fez assim bem desse jeitim, sem tirar nem por. Espero que ocês goste de mim assim. Se não gostar eu não vou mudar, pois tá bão assim. Sou mineiro, já cacei tatu, sou de Manhuaçu, mas isto também eu já falei. To repetino tudo pra ficá bem marcado e ninguém tê que me perguntá. Agora que ocês já sabe eu vou me dispidi, mas prom
  ROUPAS NO VARAL Como bandeira agitada, as roupas ainda molhadas se agitavam com o vento. Fiquei olhando a cena daquelas roupas ao vento e parei por um momento fixando meu olhar. O varal bem esticado era às vezes agitado e as roupas balançavam, parecia que dançavam ali expostas ao sol. Aquela cena elegante levou-me a um tempo distante, colocou-me num salão, vi que ali alguém dançava, sorria e até brincava naquele baile sem som. Tempo de sonho, quimera, fantasia, primavera, tempo feliz, tempo bom. 21-10-2020, Cícero Alvernaz.
  DIA DO GARI Eu me esqueci que hoje é o dia do gari. Mas por aqui, terça, quinta e sábado que é o dia do gari porque ele passa e pega o lixo com muito amor e capricho. Na verdade, todo dia é o dia do gari porque o dia que ele não passa aqui ele passa na casa do Ari, na rua Itacolomi no Bairro Pequeri. O dia do gari é todo dia porque lixo tem todo dia e a lixeira não reclama nem faz cara feia quando fica cheia. Às vezes fico a pensar aqui: o que seria de mim e da dona Sueli se não existisse o gari? 21-10-2020, Cícero Alvernaz
  UM TREM NA GARGANTA O cara queria escrever, mas não sabia o que escrever. Pensou, pensou, mas não achou o tema, o esquema, nem como começar. Ele não era escritor, mas lia alguma coisa e resolveu tentar escrever. Mas como começar? Começar o que? Coçou a cabeça, revirô o zoi, se levantou, pensou, pensou e decidiu: "Vou escrever sobre alguma coisa. Mas que coisa? Vou escrever sobre mim, sobre a minha dificuldade em escrever. Vou escrever qualquer coisa, afinal ninguém vai ler!" E pensando assim ele começou a escrever: "Estou querendo escrever sobre um trem, mas não sei de onde vem esse trem, nem sei se ele existe de verdade, mas ele está parado na minha garganta, não sei se cuspo ele, ou se engulo ele. Vou escrever sim, com certeza, mesmo que esse trem continue na garganta. Na hora da janta ele desce. Estou escrevendo, mesmo sem saber sobre o que e pra que. Pra quem não conseguia nem começar ficou bom demais. Na próxima vai ficar melhor". (21-10-2020)
  O SANTINHO Santo, que de santo não tem nada. Fica jogado na calçada, na água parada, e depois vai pro lixo. Santinho de algum candidato, brincadeira sem graça. Propaganda de alguém que deseja chegar lá e enfim se locupletar. Geralmente é colorido, tem um sorriso e um pedido: "Vote em mim". Fica jogado por aí, no quintal ou na caixa postal. O vento traz e leva pra dentro de casa, parece que tem asa esse trem! É o santinho que não reza, que não fala, mas vai da cozinha pra sala e atazana muita gente. Agora é esta folia todo dia. Tem gente que chama isto de democracia. 22-10-2020)
  CADA UM É CADA UM Cada um chuta a sua bola e come o que mais gosta. Cada um namora, ou não namora, se despede e vai embora, enfim, cada um é cada um. O que não pode, ou não deve, é dar opinião sem ser convidado, implicar com quem está calado, escrever errado, ir se não foi chamado, não se apresentar se for soldado e não correr se o cachorro vem com o dente trincado. Aqui há espaço pra todos, todos podem opinar, votar ou não votar, podem até se candidatar. Cada um segue na sua mão, com ou sem religião, mas sempre obedecendo o patrão. Aprendi assim e acho que até aqui estou indo bem. Se você acha também, então diga amém. (22-10-2020)
  QUANDO NÃO DÁ MAIS PRA SEGURAR Privada, banheiro, casinha, reservado, WC, buraco, atrás do pé de café, atrás da moita ou em um outro lugar qualquer. Todos esses lugares são locais para se fazer as necessidade físicas, ou para se aliviar como muitos ainda dizem, mas quando não se tem nenhum desses lugares faz em qualquer, dependendo do momento e do aperto. Quem não tem uma história pra contar quando o assunto é se aliviar? Ontem eu vi uma pessoa na rua e ela me falou; "Nessas horas eu queria ser homem, preciso ir no banheiro, mas não tem banheiro, então eu vou em qualquer lugar". Ouvi aquilo como um desabafo de alguém que está no seu limite. No fundo, eu fiquei com dó da pessoa, mas não pude fazer nada, pois não vi nenhuma privada por perto. Um dos lugares mais terríveis é num ônibus, pois o banheiro, também conhecido como "toalete", geralmente é muito pequeno e mal conservado, mas eu já usei um num momento extremo. O organismo não espera mais e a pessoa tem que se
  CARLOS Carlos é o nome dele. É um nome simples, um nome qualquer, mas ele não é uma pessoa qualquer. Carlos nasceu no interior de Minas, mais precisamente na cidade de Itabira. Carlos era filho de um fazendeiro, mas ele não era um fazendeiro. Carlos foi um gênio das letras e hoje é lido e admirado no mundo inteiro. Carlos nasceu no dia 31 de outubro de 1902, eu não conheci Carlos pessoalmente, mas sou fã dele e de seus escritos, poemas, contos, crônicas e mais. Carlos é filho de Minas Gerais como eu também sou. A grande diferença é que ele é muito famoso e eu não sou. Carlos deixou muitos versos e muita saudade. Seu nome todo é Carlos Drummond de Andrade. 23-10-2020.
  CARENTE Ela me disse: estou carente. Dei um tempo e falei: Você está carente porque quer. Ela me olhou e disse: "Seria bom se fosse assim, na verdade, ninguém liga pra mim, até minha família já desistiu de mim". Fiquei sem saber o que pensar e o que dizer. Pesei aquelas palavras e analisei bem. Fiz uma introspecção e descobri, para minha decepção, que eu estava carente também. 19-10-2020
  OLHARES Olhares somam, somem, assumem, se dão, se vão, se apresentam, se falam, se comunicam, se identificam, se deixam, se tomam, se eternizam, se realizam. Olhares se enternecem, se entristecem, se fazem, se doam, se ramificam, ficam, se multiplicam, se voltam, se tocam, se alegram, se intensificam, se fundem, se confundem. Olhares são janelas belas, aquarelas, sentinelas, olhares são estrelas, são convites, são lamento, olhares são flores, são dores, amores, são asa do vento. Olhares são palavras, são rumores, são cores, pensamentos que aparecem e se perdem num momento. 19-10-2020, Cícero Alvernaz
  DIA DO POETA Dizem que hoje é o dia do poeta, mas tem alguém se importando com o poeta? Qualquer dia é o "dia do poeta", desde que alguém se importe com ele e o leve a sério. O poeta é tão especial que ele não faz bem e nem mal, ele é nulo como um zero à esquerda, um pateta, mas continua sendo poeta, engraçado, zangado às vezes e às vezes doce como um doce de cidra. O poeta não é notado e muitas vezes nem é lembrado, mas quando morre sempre tem alguém que lê uma de suas poesias em homenagem a ele. Ele pode não ser lembrado em vida, mas, geralmente, é homenageado no dia da sua morte. Pena que ele não vê e nem ouve essa homenagem póstuma. (20-10-2020)
  A RODA DA VIDA A roda roda, roda, roda sem parar. A vida é uma roda que um dia vai parar. Na roda da vida vou rodando sem parar, no compasso dessa roda o meu sonho vira moda e não deixo de sonhar. Essa roda me incomoda com seu jeito de rodar. Roda sempre para a frente, para trás não quer rodar. Vai rodando sem aviso sem querer, sem se importar, enquanto o tempo desanda, com seu jeito de passar. A vida é uma roda que roda e também anda e um dia vai chegar. 20-10-2020
  FILHOTE Filhote é um pequeno filho, um filhinho, um rebento. Filhote é uma graça, um dom, um presente. Não tive filhotes, mas sei o que é. A mãe e o pai se enchem de orgulho e evitam fazer barulho quando ele está dormindo. Quando eu era adolescente chegou na nossa humilde casa uma prima trazendo "uma filhota" bem enroladinha parecendo uma bonequinha e eu fiquei todo curioso. Queria ver aquela boneca, nem que fosse só o rostinho dela. Minha prima colocou aquele "pedaço de gente" numa caminha simples, saiu e encostou a porta do quarto. Eu fiquei ainda mais curioso e esperei ela se afastar um pouco e fui pé ante pé, empurrei a porta do quarto e fiquei um bom tempo contemplando aquela boneca viva. Hoje, aquela boneca já é avó, mas eu nunca esqueci daquele momento tão emocionante. (19-10-2020)
  CARENTE Ela me disse: estou carente. Dei um tempo e falei: Você está carente porque quer. Ela me olhou e disse: "Seria bom se fosse assim, na verdade, ninguém liga pra mim, até minha família já desistiu de mim". Fiquei sem saber o que pensar e o que dizer. Pesei aquelas palavras e analisei bem. Fiz uma introspecção e descobri, para minha decepção, que eu estava carente também. 19-10-2020.
  OLHARES Olhares somam, somem, assumem, se dão, se vão, se apresentam, se falam, se comunicam, se identificam, se deixam, se tomam, se eternizam, se realizam. Olhares se enternecem, se entristecem, se fazem, se doam, se ramificam, ficam, se multiplicam, se voltam, se tocam, se alegram, se intensificam, se fundem, se confundem. Olhares são janelas belas, aquarelas, sentinelas, olhares são estrelas, são convites, são lamento, olhares são flores, são dores, amores, são asa do vento. Olhares são palavras, são rumores, são cores, pensamentos que aparecem e se perdem num momento. 19-10-2020, Cícero Alvernaz
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  FESTA NA BEIRA DA ESTRADA Eu fui numa festinha na casa da vizinha, lá tinha muita gente, não consegui entrar. Então fiquei lá fora, pensei em ir embora, mas logo alguém chegou, parou na minha frente, olhou-me de repente, até me encarou. Gostei da travessura daquela criatura que assim me conquistou. O povo lá chegava enquanto eu conversava, ninguém desconfiou. O papo foi crescendo e a gente se querendo, mas sem lugar pra ir. Lá tinha muita gente, saímos de repente até sem despedir. Fizemos uma festa na beira da estrada, atrás de uma moitada que a tudo escondia, juntinhos lá ficamos, sorrimos e amamos até raiar o dia. 18-10-2020 2 Ivana Pizzi e Dora Marchiori 3 comentários
  A MINHA HISTÓRIA Se eu lhe contar a minha história você chora, depois me dá um abraço e logo vai-se embora. Minha história começa quando nasci e vai se espalhando por aí. De Minas eu vim parar aqui e encontrei coisas que eu nunca vi. Mas essa história não tem só tristeza: tem até momentos de leveza, de risos, brincadeiras, sentado numa praça, feliz achando graça debaixo de uma paineira eu vi um sorveteiro, queria um picolé, o sorveteiro me olhou e nem se importou e logo deu no pé. Fazia um calorzão, suor me escorria, o sol estava quente, era quase meio dia. Fiquei sem picolé, depois eu fui a pé andando para casa, debaixo do meu pé o asfalto estava quente parecendo uma brasa. Cheguei então cansado, já tinham almoçado e não sobrou pra mim. Sentei em um sofá, me estiquei assim, depois deitei, dormi, ninguém ligou pra mim. Se eu lhe contar a minha história você chora, depois me dá um abraço e logo vai-se embora. (14-10-2020) Cícero Alvernaz