TUDO POR UM OLHAR

                        Ela me olhou de soslaio como quem não quisesse me ver. Já tinha passado por esta experiência antes, mas desta vez foi diferente, afinal era “ela” quem me olhava. Eu queria ser olhado de frente, ser encarado, filmado e fotografado por aquele olhar que eu admirava e me fazia muito bem. Mas ela apenas me olhou de lado, de través, de esguelha, sorrateiramente. Pensei que tudo fosse passar logo... Quem sabe se eu não seria de novo alvo de um olhar especial daqueles que mexem com os alicerces da gente. Talvez eu merecesse algo melhor, pensei.
                        Ela passou e se foi com o seu olhar que eu não pude ver nem admirar. Mas fiquei aguardando a sua volta enquanto olhava distante algumas flores que anunciavam a chegada da Primavera. Discretamente a aguardei por alguns minutos sonhando com o seu olhar e com o seu sorriso dos quais eu me julgava merecedor. Na verdade, passaram-se horas intermináveis até que desisti de esperar e segui o meu caminho pensando no seu olhar.
                        Encontrei outras pessoas, falei com tanta gente, resolvi problemas meus e dos outros... A tarde chegou e eu me senti cansado, mas com a sensação do dever cumprido. Tivera um dia cheio e isto já me era compensador. Estava cansado, já desejoso de um bom banho e uma macia poltrona para repousar e colocar meus pensamentos em ordem. Súbito, eis que a vejo na minha imaginação depois de tanto tempo e consigo finalmente ver de frente e de perto o seu olhar. Não era um olhar simples desses que a gente vê comumente por aí, mas um olhar manso, tranqüilo e ao mesmo tempo arrebatador. Quanto brilho pude ver naquele olhar!
                        Tudo transcorreu normalmente naquela tarde quente de primavera. Um vento leve roçava a cortina e fazia festa no meu rosto cansado e pensativo. No dia seguinte, pensava eu, vou ficar no mesmo lugar e na mesma hora aguardando ansioso o momento em que ela vai passar. Não, agora ela não vai me decepcionar como no dia anterior. Não vai me deixar plantado à sua espera e depois me olhar de soslaio como quem não quisesse me ver. Eu não iria suportar tanta desfeita, afinal, ela sabia que eu a amava e eu sabia que ela me amava. Alguma coisa errada tinha acontecido e não podia se repetir tumultuando assim a nossa vida.
                        Ah, essas nuances do amor que vêm de surpresa e nos fere como espada ou flecha! Por que somos assim? Somos tão sensíveis e passionais; objetos pequenos levados pelo vento de uma paixão incontida, e assim nos descontrolamos por tão pouco e por pouco não saímos dos trilhos. Como um olhar pode representar tanto! Ele pode significar vida e ao mesmo tempo pode destruir e arrasar a nossa vida. Como um fogo, ele pode nos inflamar e nos purificar, e, ao mesmo tempo, pode nos queimar e nos reduzir a cinza. É difícil controlar este sentimento que chega de repente e toma conta de nós. Quem nunca passou por esta experiência e depois se viu em frangalhos implorando ajuda e chorando pelos cantos? Tudo, muitas vezes começa e termina com um simples olhar, mas podemos sempre recomeçar do nada e lutar dia a dia pela nossa tão sonhada felicidade.

                        Cícero Alvernaz (Membro da Academia Guaçuana de Letras)
                        Mogi Guaçu, 14 de outubro de 2008.

                        

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