Cícero Alvernaz

  ESCREVER SOBRE MULHER Eu pensei em escrever sobre qualquer coisa, mas sobre qualquer coisa não se escreve. Não se deve escrever sobre coisa qualquer, nem se deve escrever sobre mulher. Então sobre o que se pode escrever? Escrever sobre outra coisa pode, escreve sobre cobras, lagartixas, cavalos, bodes, bois, búfalos... Mas sobre isto eu não quero escrever. Eu quero escrever sobre mulher, dá mais inspiração, mais emoção, mais carinho, mais calor, mais amor... Eu pensei em escrever sobre qualquer coisa, mas eu não quero que mulher seja "qualquer coisa". Mas sobre qualquer coisa não se escreve. É proibido, é peremptoriamente proibido. Entendeu? Não, a palavra é muito grande. É terminantemente proibido. Entendeu? Não. A palavra continua grande. Então não escreve sobre nada. Eu vou escrever sobre mulher e quero ver quem é que vai me proibir! "Minha mãe era uma mulher educada, fiel e muito prestimosa. Ela era uma grande esposa". Pronto, escrevi! Agora só falta assinar. ...

  POESIA É A NOSSA MELHOR COMPANHIA Uma pessoa me disse: "Eu não gosto de poesia" e eu lhe disse: é uma pena, mas é um direito seu. Mas você não gosta mesmo? Então você não gosta de você, não gosta da natureza, não gosta dos filhos seus e não gosta de Deus. Você não gosta da flor, do mar, nem do orvalho. Você não gosta da chuva, da planta, da fruta, da manhã quando você se levanta e do sol nos seus primeiros raios. Você não gosta dos pássaros, dos animais, do riso, do paraíso, das montanhas, dos rios, nem dos mares. Você não gosta de você e nem de mim, não gosta do quintal, nem do jardim, não gosta de um amigo que te visita, nem de um irmão que te ajuda. Enfim, você não gosta de ninguém e o seu coração é sempre assim, não muda. Poesia é noite, é dia, é alegria, é a música suave que nos conforta, é o vento suave que bate à nossa porta. 22-01-2022.

  O ESCRITOR É UM BESTALHÃO Como diriam os antigos: o escritor é um bestão, ou um bestalhão mesmo. Muitos repetem o que já foi escrito. "Batatinha quando nasce solta rama pelo chão, mamãezinha quando deita põe a mão no coração". Essa é tão antiga que a batata nem rama tem mais. "Atirei o pau no gato" é do século passado. Provavelmente o gato nem existe mais. As musiquinhas antigas tipo: "O cravo brigou com a rosa debaixo de um uma sacada, o cravo saiu ferido e a rosa despedaçada" fez muito sucesso. Cantava-se nas escolas. Foi-se o tempo em que a pessoa escrevia e fazia sucesso. As letras das músicas eram simples e todo mundo cantava. "Cansei de cantar: "Meu amor brigou comigo, me deixou na solidão..." Eu gostaria de ter um amor nem que fosse só para brigar comigo de vez em quanto. O escritor é um bestão, ou um bestalhão. Hoje quem faz sucesso? Para ser sincero, para fazer sucesso hoje o cantor tem que rebolar e as músicas não podem ter nenh...

  A NATUREZA E O POETA A natureza conhece o poeta, os passarinhos cantam quando ele passa. Os animais o procuram, lambem suas mãos, fazem carinho, reconhecem o poeta de algum país, de algum lugar e ficam a olhar. É uma sintonia estranha e perfeita, num momento tudo se ajeita e a comunicação flui. O poeta se vai, a natureza para um instante, o seu olhar busca o horizonte, bate forte o coração entre feliz e cheio de emoção. O poeta vai normalmente cuidar da sua vida, mas fica uma marca de reconhecimento. Tudo se reconhece, tudo se enobrece, até o céu participa desse momento. 21-01-2022.

  DÁ PRA ENTENDER ISTO? Sempre tem uma coisa, boa, uma ruim e depois uma pior. Dizem que quando as coisas estão indo bem é porque vai ficar ruim e depois vai piorar. O ser humano é muito cismado. "Pior do que o tombo é depois de cair ser pisado". Mas a gente deveria pensar diferente. Deveria sempre pensar positivamente. Pensativo negativo atrai negatividade. Um cara arrumou uma namorada depois de muita luta, ficou feliz, mas depois ficou sabendo que o pai dela era bravo. E na primeira vez que foi na casa dela já ganhou um "cartão de visita": o pai dela falou: "Aqui o namoro é uma vez por semana". Depois o moço ficou sabendo que na hora do namoro os pais da moça também se sentavam juntos. E para piorar, naquele tempo na roça todo mundo andava armado. Aliás no meu tempo era assim e a paz e o respeito reinavam entre todos os mortais. Hoje, o cidadão não pode andar armado nem com uma faca, mas a bandidagem anda armada até os dentes. Dá pra entender isto? (22-0...

MINHAS LEMBRANÇAS Tudo que escrevi poderá não servir para nada. Tudo poderá ser jogado no lixo ou queimado. Lá se vão as minhas rimas abraçadas, vão-se os meus versos um a um jogados. Tudo marcado, em algum recipiente fechado para nunca mais ser admirado. Tudo poderá, enfim, ser depositado em alguma caçambada, em algum entulho. Não vai fazer mais nenhuma diferença o que eu escrevi, minhas ideias, minhas crenças, o que eu li e o que não li. Crônicas, histórias tantas, livros de capas coloridas, será, enfim, o que restou de tudo que eu fiz na minha vida. 17-01-2022. *Reuni forças e escrevi isto.

 JÁ SE FOI O TEMPO  J á se foi o tempo em que o pastor era um senhorzinho de terno riscado, camisa branca meio encardida e uma gravata cinza meio torta enfeitando o seu pescoço e descendo pelo seu peito. Homem quase sem leitura que decorava e repetia palavras de ordem sobre um humilde púlpito de madeira. Era ele o pastor daquela igrejinha do subúrbio naquela rua perdida e sem asfalto onde ele se reunia com algumas dúzias de pessoas igualmente humildes e esperançosas. Já se foi esse tempo e já se perdeu nas dobras do tempo. Hoje, o pastor é o senhor fulano de tal, geralmente formado em direito, com mestrado em teologia, escritor, doutor e empresário. Naquele tempo ninguém ligava pra ele nem se importava com ele, mas hoje os políticos o procuram esperando receber o seu apoio e em troca fazem-lhe altas propostas. Já se foi aquele tempo e hoje estamos num outro tempo, numa outra situação, vivendo uma outra realidade. E muita gente ainda não se acostumou com essa nova realidade. Já...